sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Licença para cuidar

Vivemos num país onde nos é concedida uma licença parental, que pode ser "partilhada" - gosto da designação, quando o casal não partilha, mas antes divide em fatias o tempo de uma licença - que é, para usar termos muito ligeiros, uma manta demasiado curta para as necessidades de uma família e, concretamente, para a criança.

Sobre o estado da arte das licenças parentais no nosso país e uma comparação com o que se passa nos restantes estados-membros da União Europeia, reservo desde já um tempo para o próximo post. Refiro apenas que, actualmente, o nosso país se encontra já em incumprimento face à transposição da directiva comunitária 2010/18/UE, cujo prazo expirava em 2012 e que indica que ambos os pais deveriam gozar um mínimo de 4 meses cada um de licença parental (excepcionalmente transferível entre os membros do casal, desde que se mantenha um mínimo de um mês num dos pais). Apesar de me parecer ainda muito pouco, não estamos ainda lá.

A nossa legislação prevê já a protecção na parentalidade, numa perspectiva que assenta, acima de tudo, numa lógica de protecção laboral. Os benefícios que são concedidos no âmbito da parentalidade configuram, na letra e no espírito da lei, um mecanismo de protecção dos direitos laborais dos pais activos. Ela prolonga-se no tempo de forma partilhada, conforme opção do casal, por 4, 5, 6 ou mais meses, mas com uma incomportável perda de percentagem da remuneração o que, só por si, inibe os casais de escolherem opções de licença superior a 5 meses.

No entanto, é normalmente aceite que o panorama que hoje temos ao nosso dispor constitui um grande avanço nos direitos dos trabalhadores. Os números revelam que cada vez mais casais optam pela extensa licença partilhada (porque na verdade o que é obrigatório ainda são 10 dias úteis para o pai e, se não estou em erro, 6 semanas para a mãe), fazendo valer os seus direitos de trabalhador através deste grande salto civilizacional que é a licença parental em Portugal.

É um salto para um abismo. O período de licença partilhada mais comum permite à mãe passar os primeiros 4 meses com o seu filho (sendo o quinto gozado pelo pai) e tal prazo não corresponde a qualquer ponto focal no desenvolvimento da criança (para dar um exemplo, a OMS recomenda que se amamentem em exclusivo os bebés durante 6 meses e não 4), nem ao nível de protecção social - o sistema de ensino público em Portugal apenas acolhe crianças a partir dos 3 anos (que salto no tempo!).

Mas a questão que hoje me leva a escrever não se prende com a lei no seu sentido de protecção laboral, mas do direito da criança. Ninguém pensa que, tal como consta na declaração universal dos direitos da criança, ela tem direito aos cuidados da mãe e do pai? Em que idade isso tem maior importância do que nos primeiros dias, meses e anos de vida? Não! A licença parental tem que ser vista, antes de mais, como um direito que a criança tem aos cuidados, à presença, ao vínculo, ao amor a tempo inteiro, dos pais.

Esta é uma questão fulcral para o comportamento dos recém-pais. A licença parental não é, como infelizmente se constata em alguns casos, um tempo para os pais. O uso que é dado ao tempo de licença é uma questão ética, moral, sentimental, humana, se quiserem, que deveria estar plasmada na lei como o seu aspecto primordial: um bebé nunca deveria ser encaminhado para o cuidado de estranhos tão cedo. Mas ainda assim, muitos consideramos um direito nosso, esta licença, e esta apropriação faz com que nos sintamos no direito de usar este tempo como nos aprouver. Na satisfação de necessidades individuais de adulto: no descanso, num projecto pessoal, numa viagem, numa aposta na formação, etc.

Todas as opções são válidas, todas têm motivos, razões para acontecer. Mas deixem-me aqui exprimir a minha opinião: que tipo de início da nossa carreira de pai/mãe estamos a conseguir, quando usamos o tempo (tão pouco e tão precioso) da licença parental para cumprir um objectivo nosso? É a serem deixados para trás por uma necessidade individual, que os nossos filhos começam a sua vida? Quando a presença  da mãe e do pai é tão determinante? Quando um recém-nascido nosso filho é totalmente dependente para sobreviver?


Por isto aqui volto a frisar a importância de considerarmos esta licença como sendo da criança, um direito seu, um direito à humanidade da sua nova existência, um primeiro beijo de cidadania, uma primeira cama de solidariedade, um tempo para um primeiro vínculo de amor que nos amarra uns aos outros e se fortalece a partir do primeiro dia. Um tempo constante para os nossos bebés, que os embala como um diapasão.



sábado, 16 de fevereiro de 2013

Peso Versus peso


Na rede social mais frequentada dos dias de hoje, o facebook, faço parte de um grupo composto essencialmente por mães que amamentam , defendem e promovem a amamentação. O objectivo é que a partilha de experiências permita ajudar as mães a ultrapassarem as dificuldades que vão surgindo no caminho escolhido de amamentar um filho.  Mas para além da partilha, existem também muitos desabafos. Entre eles os que mais me tocam são sempre os das mães de primeira viagem que, tão assustadas e cansadas, vêm em busca de algum alento. Mães que têm tudo para serem bem sucedidas na amamentação...tudo menos confiança. Por um lado a falta de profissionais de saúde entendidos na matéria e com sensibilidade para ajudar estas mulheres nos problemas que vão surgindo agrava o problema, por outro, a maioria das vezes a estrutura familiar não está preparada para apoiar. Pelo contrário, mina e acaba mesmo por levar ao desespero a mãe que, ao sentir-se isolada, desamparada, cansada e sem recursos acaba por se render, desistir, convencendo-se que não lhe estava destinado, umas vezes culpando o bebé que não fazia bem a pega ou que não engordava as tão requeridas 20g por dia, outras vezes culpando-se por não ter conseguido resistir às mil e uma vezes que a mãe, o marido a sogra, a vizinha, a amiga a tia lhe disseram que o bebé chorava porque tinha fome, que estava pequenino que não era gordinho como o bebé da A, B, ou C que tinha nascido na mesma altura ( sim as comparações são sempre estímulos muito positivos para as mães inseguras e já com tanto entre mãos).
Mas como podemos ajudar estas mães? Como podemos ajudá-las a conseguir a segurança necessária para levar a bom porto a amamentação? Apenas posso usar a minha própria experiência de amamentação para me guiar e penso que é uma experiência rica, pois apesar de todas as dificuldades que vivi, aqui estou de pedra e cal a amamentar 3, enquanto as minhas crias quiserem mamar.
Pensei muito na lista de conselhos que poderia dar a estas mães que possam estar a passar pelas dificuldades da amamentação e são muitas as dicas úteis que uma boa conselheira de amamentação , ou uma mãe experiente pode dar a outra, no entanto ,prefiro resumir-me a este conselho : se querem amamentar com sucesso, esqueçam a obsessão pelo peso do bebé.
Parece viver-se uma verdadeira obsessão no que toca à questão do peso do bebé. O aumento do peso do bebé é tão determinante que se a progressão do peso não obedece às tais curvas(mantendo uma boa colocação nos percentis), então lá se introduz o suplemento, como se não existissem outros indicadores de saúde e bem estar do bebé além do peso. Na verdade, nos dias que correm o bebé tem que ser gordo pois se não estiver bem gordinho , ali a exibir com exuberância os “pneus Michelin”  então é porque não está bem, passa fome, está doente  e as mães que insistem em não dar o suplemento para ajudá-los a engordar e engordar e engordar, são umas irresponsáveis, uma hippies fanáticas da amamentação que põem a saúde da sua cria em risco.
A Gordura no bebé é sinal de beleza de bem estar, de boa nutrição de saúde...logo o peso é muito importante, o bebé tem que aumentar, tem que engordar. Não interessa se tudo o resto está óptimo, se cresceu, se tem um bom desenvolvimento cognitivo, porque se não engordou o esperado, se não cumpre a tabela, não está bem. Mas então segundo esta lógica, um adulto saudável, belo e de boa saúde é gordo, certo? Pois parece que não! Nos dias que correm ser belo é ser magro e todos conhecemos os riscos da obesidade, as clínicas de emagrecimento proliferam e homens e mulheres submetem-se às maiores torturas e tratamentos invasivos para serem magros.
Que lógica é esta então? Não será mais natural respeitar o ritmo de cada ser? Se um bebé engorda pouco o que é que podemos fazer? Podemos ver os outros sinais, perceber se continua a crescer , a evolução do seu desenvolvimento, olhar também para a sua herança genética e ...respirar fundo. É tão normal um bebé de percentil 5 como um de percentil 95, assim como tanto pode ser saudável uma pessoa muito magra, como pode ser igualmente saudável uma pessoa gorda. O peso de per si, isolado sem olhar e ponderar outros factores não nos diz nada.
Mães que estão neste momento a iniciar a amamentação, quero dizer-vos apenas que não vos prometo um caminho sem espinhos, mas que procurem com a máxima tranquilidade possível junto de outras mães ou de conselheiras de amamentação, ajuda para os problemas e que não se deixem tiranizar pela questão do peso, não se deixem condicionar por conselhos de profissionais de saúde ou de familiares sobre o espaçamento em horas entre mamadas, o tempo cronometrado em cada mama para que o bebé apenas beba e não chuche, é o bebé que dita a necessidade de alimento, carinho e  afecto, tenham atenção a todos os mecanismos de separação física entre mãe e bebé (alcofas, espreguiçadeiras, chuchas, biberões, bicos de silicone, a lista é grande), tudo o que é acrescentado ao processo de amamentação e à relação mãe/filho para a artificializar apenas vai comprometer uma amamentação de sucesso. Acima de tudo, olhem para o vosso bebé e deixem-se guiar pelo vosso instinto, confiem no vosso corpo, na vossa capacidade de amar, de conseguir nutrir de alimento e amor a vossa cria.
Um abraço
Xana.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Quantos corpos encontramos numa família de 5?

Ao longo do nosso (ainda curto) trajecto como pais, muitas vezes nos questionam acerca da nossa ligação constante aos nossos filhos e que implicações isso causa. Falamos aqui de uma ligação física que tem um carácter permanente. Os nossos filhos nunca estiveram separados dos pais, a não ser em situações muito específicas e durante o mínimo de tempo possível. Os nossos filhos nunca dormiram uma única noite sem nós, pois todos os três (agora com 3;1;1; anos respectivamente) dormem conosco desde que nasceram, no nosso quarto, partilhando conosco a cama sempre que dela necessitam. Os nossos filhos vivem a sua casa e as actividades que lá podem desenvolver da forma mais livre que nos é possível proporcionar-lhes, consoante o que podemos e sabemos fazer, de forma permanente, pois não foram depositados em nenhum infantário/creche/ama/outros.

Posso afirmar com bastante certeza que o bem-estar dos nossos bebés está intimamente ligado à presença constante de uma mãe que não fez outsourcing das suas funções de progenitora e à presença (em todos os minutos que me são possíveis) de um pai. Parece estranho para tanta gente que todos os pedaços de tempo em que estamos juntos (todos os cinco), sejam dedicados a isso mesmo: estarmos juntos os 5, a ser uma família, a fazer coisas juntos, sabendo que ás vezes corre melhor, outras pior. Sabendo que dedicamos totalmente os fins de semana a estarmos todos juntos com os nossos filhos porque a familia tem 48 horas por semana seguidas para estar unida na sua totalidade, chegamos tantas vezes ao final da noite de domingo, pai e mãe olhando-se nos olhos e vendo as suas crias a dormir, exaustos. Exaustos, mas quentes do tempo e do amor que tivémos o privilégio de viver ininterruptamente desde a sexta-feira anterior até àquele momento em que tudo acaba, em que volta o despertador da manhã de segunda-feira a anunciar mais cinco dias de separação.

Hoje em dia isto parece disparatado para tanta gente, o facto de eu (pai) encarar os dias "úteis" em que tenho que trabalhar fora de casa, como dias de separação. Penso-o legitimamente, pois entre cada segunda-feira e sexta-feira, passo o melhor do meu dia a trabalhar para outrém, deixando para trás os que amo, a minha mulher e os meus filhos. E assim será sempre enquanto eles crescerem, deixando-me privado de os acompanhar enquanto eles realmente precisam de mim.

Hoje vivemos demasiado centrados na nossa função profissional, somos condicionados a pensar assim, mas o que sentem os nossos bebés? O que precisam de facto? Nenhuma resposta poderá ser dada para além da seguinte: necessitam da presença constante e do amor incondicional da mãe (que considero claramente essencial por tantos e tantos motivos, principalmente nos primeiros anos de vida) e do pai. Quando nós, mamíferos, nos tornamos pais/progenitores, a nossa função primordial é, acima de qualquer outra, cuidar dos nossos filhos/crias. Ganhar dinheiro (mantendo, no entanto, o seu devido espaço pela estrutura social em que vivemos), torna-se secundário, tal como tudo o resto.

Muitas vezes nos perguntam coisas como: porque não os deixam por umas horas para ir ao cinema, para jantar fora os dois? E os teus hobbies, o ténis, a corrida, o teatro? E a tua carreira? E os teus amigos, as saídas?

Mas hoje eu, pai de 3 bebés que dependem de mim sem reservas, sinto que a vida individual e individualista (como é hoje tão prezada por todos), mesmo de forma segmentada, cada vez menos sentido faz. A minha individualidade já não é só minha. O meu ser, o meu tempo e o meu corpo já não são só meus. Partilho-os com os meus filhos, com a minha mulher, fazendo jus aos votos que proferi quando nos propusémos a formar uma família.

Tenho pena de apenas o poder fazer a tempo parcial... espero pelos fins-de-semana, quando formamos um só corpo familiar. Desejo que um dia isso se torne a realidade permanente.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013